Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Gérald Bloncourt o fotógrafo da alma lusitana

Cultor da arte e do amor redimensionado na fotografia, na poesia e na pintura, Gérald Bloncourt encerra uma personalidade multifacetada moldada numa experiência de vida multiculturalista génese da sua avassaladora sensibilidade social e política. 
Oriundo do Haiti cedo teve que se exilar em França por contestar a ditadura haitiana, continuando afincadamente a lutar pelos ideais de liberdade e desenvolvimento de uma nação constantemente marcada por períodos de grande conturbação social, política e económica.

Géradl Bloncourt (n. 1926)

Na França definiu o seu percurso e trajecto de vida indelevelmente ligado à sua forma de ser e estar, que se entrecruzou com a lusitanidade na década de 50 quando milhares de emigrantes oriundos de um Portugal pobre, analfabeto e atrasado entraram em solo francês, quase sempre a salto, em busca de uma vida melhor.
O consequente desenraizamento e as miseráveis condições de vida que pautaram os primeiros anos da emigração para França, assertivamente exposta nos bairros de lata “"bidonvilles" que albergaram a mão-de-obra portuguesa, impressionaram a consciência e a lente sensível deste fotógrafo então profissionalmente embrenhado na imprensa militante.
A partir da década de 50 e 60, Bloncourt começou a retratar incessantemente a vida dos portugueses nos arredores de Paris, compondo um penetrante quadro histórico e sociológico onde apreendemos humanamente a senda heróica da vida de milhares de lusitanos cunhados pela incerteza e saudade.

Família de emigrantes portugueses, Paris 1964
Gérald Bloncourt 
De bidonville en bidonville Lisbonne – Paris
 Camp de l' Abbé Pierre à Noisy le Grand (1954)
Gérald Bloncourt

As levas constantes de emigrantes portugueses na década de 70, compelida pela miserabilidade pátria acrescida com a guerra colonial, acabariam por impelir Bloncourt a querer conhecer o berço do egrégio navegador Vasco da Gama, de modo a compreender “in loco” o porquê de tantos filhos dos velhos argonautas marítimos empreenderem uma reiterada saída para o centro da Europa. Nesta época visitou o Portugal cinzento de Salazar pautado pela trilogia “Deus, Pátria e Família”, tendo acompanhando clandestinamente e solidariamente emigrantes portugueses no trilho do salto para França.


Pequena portuguesa
       Bidonville de Saint-Denis, 1969
Gérald Bloncourt


L' enfant du taudis comment s' evader Paris 11e (1964)
Gérald Bloncourt 

Gérald Bloncourt acabaria por regressar a Portugal em pleno séc. XXI, num período profundamente contrastante com a experiência e realidade vivenciada pessoalmente nos anos finais do Estado Novo. No entanto o seu entusiasmo pelo desenvolvimento da democracia e da liberdade da nação lusitana, assim como o incomensurável respeito pela epopeia da emigração portuguesa mantiveram-se inalteráveis, como comprovou em 2009, no seguimento da exposição “Por uma Vida Melhor” que um ano antes esteve patente no Museu Berardo, a doação de cerca de meia centena de fotografias sobre a vida dos emigrantes portugueses em França ao Município de Fafe
Este gesto ímpar de altruísmo enriqueceu sobremaneira o espólio do Museu da Emigração e das Comunidades, um projecto delineado pelo saudoso mestre Miguel Monteiro e abraçado pelo Município de Fafe, que pretende dar continuidade à dignidade humana retratada por Bloncourt mediante a preservação e reconhecimento do papel estruturante dos homens e mulheres que contribuem significativamente para o desenvolvimento do país além fronteiras.


domingo, 21 de novembro de 2010

O Teatro-Cinema de Fafe durante o Estado Novo

Ponto de encontro de cultura e gerações, o Teatro – Cinema de Fafe, obra arquitectónica que remonta à década de 20, encerra inolvidáveis memórias de acontecimentos locais e está intrinsecamente ligada à minha primeira incursão aprofundada no campo da investigação da história local.
Durante as férias de verão no inicio do séc. XXI, após ler na imprensa que o velho espaço do Teatro – Cinema de Fafe tinha sido em 1949 e 1958 palco de entusiásticas sessões oposicionistas durante o Estado Novo, passei as férias embrenhado no então Palacete da Imprensa à volta do velho jornal republicano “O Desforço”, da Biblioteca Municipal de Fafe, do Arquivo Municipal de Fafe e do Arquivo do Governo Civil de Braga.

 
Postal antigo do Teatro – Cinema de Fafe

O resultado das pesquisas, leituras, recolha de dados e consulta de documentos redundaram na elaboração de um trabalho intitulado “Para uma História das Eleições Presidenciais de 1949 e 1958 na Vila de Fafe”, que acabaria por ser publicado na revista cultural “Dom Fafes”, e onde então apreendi o papel preponderante que os oposicionistas locais como o major Miguel Ferreira, o médico Maximino de Matos, o advogado Parcídio de Matos, o proprietário do café Avenida, António Saldanha, o advogado Alexandre de Freitas Ribeiro, o proprietário do edifício José Summavielle Soares, a professora Miquelina Summavielle Soares, entre muitos outros, desempenharam na defesa dos ideais de liberdade.
Numa época em que ousar colocar em causa a perenidade do regime e defender valores democráticos eram pagos com perseguições, exonerações, prisões, e muitas das vezes com a própria vida, pelo palco do Teatro – Cinema de Fafe durante o Estado Novo (1933-1974) e nos períodos das campanhas eleitorais, como as de 1949 e 1958 para a Presidência da República, só passaram aqueles que nunca abafaram a consciência da liberdade e da democracia.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O magusto na aldeia

O Magusto é uma festa popular por excelência. Manda a tradição que a festa se realize no dia de S. Martinho, a 11 de Novembro, data em que este Santo falecido três dias antes no ano de 397 foi a enterrar em Tours, França. Um dos santos mais populares da Idade Média, o culto de S. Martinho encerra um espírito de partilha, generosidade e humildade.

 
S. Martinho de Tours
El Greco (1541-1614)

O ambiente de fraternidade é próprio desta quadra festiva, quando os amigos e as famílias se juntam à volta de uma fogueira degustando umas saborosas castanhas e provando o vinho novo. Ainda que nos tempos actuais a fogueira acesa com caruma dos pinheiros esteja em desuso, este fim-de-semana passado tive oportunidade de reviver este ambiente de amizade e partilha na minha freguesia, em Cepães, onde as pessoas, sobretudo as mais velhas persistem no adro da Igreja em assinalar o tradicional magusto colectivo da paróquia.

Magusto da paróquia de Cepães
Fotos de Daniel Bastos (2010-11-07)

O calor do “verão” de S. Martinho aqueceu o rosto dos convivas e os corações das famílias, que entre umas castanhas quentinhas e um trago de vinho novo, desafiaram  irmanados as memórias e tradições da freguesia e incitaram os vindouros a darem continuidade ao espírito da solidariedade.  

domingo, 7 de novembro de 2010

Justiça e Educação

É inadiável a assunção de uma política de esperança, de acção responsável e solidária que encare definitivamente a necessidade essencial de reestruturação do sistema de Justiça e Educação em Portugal. É impensável a construção de uma sociedade democrática com a permanência constante de um sentimento generalizado de impunidade, e da ideia comum de que o sistema protege os prevaricadores.
 A classe política portuguesa tem que dar sinais claros de prossecução de um sistema de justiça eficaz e isento para não ser associada ao receio de ser apanhada na teia da Justiça.

Justiça 
Rafael Sanzio (1483-1520)

            A escola tem também que se assumir definitivamente como espaço de um ensino de excelência. O futuro só pode ser assegurado com uma formação de qualidade e de exigência dos jovens, cujo percurso escolar influi irremediavelmente nas suas vidas e no rumo do país. 

Escola de Atenas
Rafael Sanzio (1483-1520)

O ensino tem essencialmente que se basear na responsabilidade conjunta dos alunos, das famílias e dos docentes, pilares fulcrais na construção da sociedade e do desenvolvimento sustentado do país. O ensino, adequado às reais necessidades do país, tem que se estabelecer em alicerces de responsabilidade, numa cultura de empreendedorismo, numa cultura de disciplina e rigor que permita enfrentar os desafios constantes que enfrentamos ao longo da nossa existência.

sábado, 6 de novembro de 2010

A crise também é material


A crise também é material. Sente-se no dia a dia atingindo com particular indiferença aqueles que já são bastante fustigados pelo desemprego, pela doença ou pela descrença de que melhores dias virão, e joga-se num plano especulativo e global. A necessidade imperiosa de tomar medidas para estabilizar os mercados e o provir nacional, ao impelir novos cortes socioeconómicos geradores de contestação só podem ser legitimados aos olhos de uma população cansada de sacrifícios, se os mesmos forem equitativamente repartidos, e assegurarem a resolução dos problemas estruturantes dos país.
            Assim como uma aplicação correcta e fundamentada dos exíguos fundos nacionais, que têm que ser canalizados para o desenvolvimento sustentado do país e para suprir as carências dos que são fortemente atingidos pela crise. Exige-se assim uma cultura de rigor e transparência ao Estado capaz de pôr cobro à falácia recorrente de derrapagens nas obras públicas, e exige-se ao cidadão uma cultura de responsabilidade e solidariedade que não pode ser complacente com meros subsídios dependências. É o nosso futuro, o futuro das novas gerações, o futuro do país que está em causa.

Entrevista na Antena1

No dia 5 de Novembro, “O Morgado de Fafe” esteve nos estúdios da RTP no Monte da Virgem no programa de informação “Portugal em directo” da Antena1 para falar sobre este novo blog, e a Cultura, História e Tradição de Fafe. Para ouvires a entrevista acede ao ficheiro de som (Início da entrevista minuto 24:20 / Fim da entrevista minuto 31:40).

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A crise é primeiro de tudo uma crise de valores

Salvador Dalí – O sono (1937)

O tema é incontornável. O clima de crise da sociedade portuguesa é o tema recorrente das conversas de café, das tertúlias com amigos, das aberturas de telejornais e das manchetes da imprensa.
Começamos pelo aspecto positivo da crise, sim porque vejamos antes de mais um aspecto positivo no quadro económico, social e politico nacional lúgubre: a crise teve o condão de despertar consciências e incomodar os espíritos. No fundo obrigou (-nos) a assentar as ideias e os pés em terra firme, na realidade. Não tenhamos ilusões, muitos de nós não viviam ou pareciam não viver neste mundo, tal é (era) a conduta e estilo de vida, o individualismo egocêntrico, a superficialidade mental e a balofice material degenerada em crédito(s) sobre crédito(s) deixando de (a)creditar no essencial da vida: dignidade, simplicidade e capacidade de sacrifício pessoal e de trabalho.
A famigerada crise é primeiro de tudo uma crise de valores: uma ausência de referências, de ideais de um “élan” que nos faça levantar todos os dias e acreditar que vale a pena trabalhar, lutar e sacrificar. A ausência de um imperativo ético que nos alavanque a moral, nos responsabilize pelas nossas acções e atitudes, e nos empole a legar um mundo melhor do que recebemos às gerações vindouras.
Este deve ser o nosso principal objectivo de vida, a nossa meta tem que estar sempre direccionada para o futuro, para o(s) outro(s), para o além e nunca para o aquém. As nossas acções e atitudes quotidianas têm que assentar numa ética responsável, numa ética de incomodidade interior que valorize o amor, a família, o trabalho, a amizade, o conhecimento, a cultura e a vida.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vestígios da presença muçulmana no concelho de Fafe


O concelho de Fafe encerra inegáveis testemunhos de que pelo actual território concelhio passaram em distintos períodos históricos povos de várias proveniências, como por exemplo, os Romanos como confirmam os vestígios arqueológicos espalhados pelo concelho, particularmente notórios no Castro de Santo Ovídio.
Escrevo, no entanto, este artigo para chamar a atenção para uma outra civilização que esteve igualmente presente na região, nomeadamente a Civilização Muçulmana.
A maioria de nós tem a ideia de que a presença islâmica em Portugal, iniciada com a invasão da Península Ibérica no ano de 711, abrangeu somente os territórios do sul do país dada a enorme profusão de vestígios. Conquanto a influência tenha sido mínima a norte do Douro, Porto e Braga foram reconquistadas no ano de 868, nesta zona chegaram a estar contingentes de tropas beberes.
Assim se entende a reconquista de “Villa Guntini” (Gontim) aos Muçulmanos, enunciada em 747 no testamento do bispo Odoário e referida por Damião Peres (História de Portugal – Edição Monumental Comemorativa do 8.º Centenário da Fundação da Nacionalidade).
O estudo das origens dos nomes das freguesias do concelho de Fafe evidencia igualmente possíveis raízes muçulmanas, segundo o filólogo Joseph M. Piel o nome “Fafe” é bastante comum na designação árabe “Halafafe”. Ainda na toponímia local, Lopes Oliveira acentua que o nome “Seidões” seria de origem árabe.
Nesta esteira, o historiador português do séc. XIX, Pinho Leal, autor da obra “Portugal Antigo e Moderno”, sustenta que o nome “Fareja” é de origem árabe “Fareija”, que significa “prazer”, referindo na mesma obra que nos limites da actual freguesia de Fareja existiu a antiquíssima cidade “Eufragia”, que segundo o mesmo foi destruída no ano de 965, pelo mouro Al-Coraxi, rei de Sevilha, que a arrasou completamente!
Refira-se ainda que a partir da reconquista cristã as terras que se desintegravam do domínio muçulmano, processo comum desde o séc. IX ao séc. XII, tornavam-se pontos estratégicos na defesa do reduto cristão, sendo que essa estratégia de defesa está patente no chamado Penedo dos Mouros na freguesia de Quinchães, local onde terá existido um castelo “roqueiro” e possivelmente na freguesia de Travassós, no lugar da Atalaia, designação que significa torre ou lugar de vigia.