Morgado de Fafe

O Morgado de Fafe, personagem literária consagrada na obra camiliana, demanda uma atitude proativa perante o mundo. A figura do rústico morgado minhoto marcada pela dignidade, honestidade, simplicidade e capacidade de trabalho, assume uma contemporaneidade premente. Nesse sentido este espaço na blogosfera pretende ser uma plataforma de promoção de valores, de conhecimento e de divulgação dos trabalhos, actividades e percurso do escritor, historiador e professor minhoto, natural de Fafe, Daniel Bastos.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

“Grande Entrevista” ao Historiador Daniel Bastos


I

O Senhor Dr. frequentou a Escola Secundária de Fafe e desde bem cedo que começou a escrever. Como é que nasceu esse seu gosto pela escrita e como se sentiu enquanto jovem, a transmitir os seus pensamentos?

De facto, iniciei o meu percurso pré-universitário na Escola Secundária de Fafe, onde tive óptimos professores que me ajudaram a perceber a importância da cultura na vida das pessoas, e que despertaram em mim o gosto pelo estudo, leitura e pesquisa. O desafio da escrita surgiu durante este período na imprensa local, mais concretamente nas páginas acolhedoras do “Povo de Fafe” que recebia textos diversos de alunos do ensino secundário, e onde pela primeira vez publiquei artigos sobre a história de Fafe, o que constituiu para mim motivo de enorme entusiasmo e incentivo.

II

Feito o Secundário, o meu bom Amigo rumou à Universidade de Évora onde se licenciou em História (Ensino). Estando tão longe, dentro do território de um país tão pequeno, como é que interagia com os seus concidadãos e com a cultura fafense?

O ingresso na Universidade de Évora no final da década de 90, uma fase de maturação e aquisição de competências, na esteira do desígnio democrático de Abril que tem permitido a jovens oriundos de agregados com parcos recursos trilharem um percurso académico, não impediu o envio de artigos sobre a história local para a nostálgica crónica “Torre da Universidade”. Pelo que é com muito orgulho e satisfação que reafirmo publicamente que o jornal “Povo de Fafe” enquanto escola de cidadania e de valores teve um papel importante na minha formação a nível pessoal e profissional, possibilitando-me interagir com os nossos concidadãos e a cultura fafense.


III

Entretanto, já fixado em Fafe, inicia a sua carreira no campo da investigação. E quando menos se esperava concorreu ao Prémio de “História Local – Câmara Municipal de Fafe 2005”, tendo ganho esse Prémio com a obra “As Eleições Presidenciais no Estado Autoritário Português – Processos e Actores Políticos – O Exemplo de Fafe”. Contava, sinceramente, com essa distinção? E que valor teve para a sua carreira futura?

Quando assentei arraiais em Fafe encetei um ciclo de vida socioprofissional que passou pela nobre missão de leccionar em Trás-os-Montes. Esta etapa, novamente marcada pelo papel da imprensa, então com a crónica “ A História menos visível de Fafe” no jornal “Correio de Fafe”, foi ainda profícua numa enriquecedora experiência no associativismo local, designadamente no Cineclube de Fafe, e na realização de um conjunto de trabalhos sobre o ocaso do regime monárquico, e o consulado republicano e estadonovista no concelho de Fafe. Esta última área de investigação seria em 2005 contemplada com o Prémio de História Local / Câmara Municipal de Fafe, distinção que tinha esperança de almejar e que se assumiu como um estímulo definitivo para o aprofundamento da história local.

IV

O Senhor Dr. não parou e perdendo muitas horas de sono continuou a investigar e como resultado foi publicado um livro, que evidencia o seu enorme talento, “Fafe Estudos de História Contemporânea”. Em termos sucintos diga-nos, por favor, qual a mensagem que quis transmitir?

O livro “Fafe – Estudos de História Contemporânea” foi resultado de um processo de novas abordagens e releituras, e por outro, um esforço de introduzir unidade aos estudos que realizei na última década no âmbito da história contemporânea de Fafe, através da elaboração de ensaios inéditos sobre a I República, o Estado Novo e a Revolução de Abril, regularmente publicados na Revista Cultural “Dom Fafes”. Reflectindo um percurso e trajecto de vida ligado a Fafe, a edição do meu primeiro livro pretendeu essencialmente ser um reconhecimento histórico a todos os homens e mulheres que lutaram pela liberdade, desenvolvimento e afirmação do concelho de Fafe.

V

E como se sentiu na Gala deste jornal, no Teatro Cinema de Fafe, quando recebeu o galardão dos Prémios “Os Mais 2011 – Excelência”?

Foi indubitavelmente um momento alto no meu percurso de vida. O reconhecimento público do nosso trabalho constitui sempre um incentivo para podermos fazer mais e melhor, nesse sentido recebi o galardão como um estímulo que agradeci e partilhei com a família, amigos, colegas e conterrâneos, a todos quantos nos une um sentimento de afinidade ao concelho de Fafe.

VI

Tenho de lhe confessar que pensava que esse seu brilharete se confinaria aos muros do nosso concelho, mas quando surpreendentemente soube que tinha sido convidado para ir a Paris, a convite do Consulado Português para divulgar a sua obra à comunidade Portuguesa, como é que apareceu esse convite e que efeitos teve nessa ocasião?

O convite surgiu pelo prestígio que a comunidade emigrante portuguesa em geral, e a fafense em particular, goza em França. O dinamismo de vários conterrâneos nossos, como o do conselheiro das Comunidades Portuguesas, Parcídio Peixoto, natural de S. Gens, e a abertura do Consulado a iniciativas de carácter cultural visando contribuir para o reforço da imagem de Portugal, estiveram na base do convite para a apresentação do livro “Fafe – Estudos de História Contemporânea” no dia 23 de Setembro de 2011 no Consulado de Portugal em Paris, um dos momentos mais marcantes da minha carreira.

A sessão, que encheu por completo a Sala Eça de Queirós, serviu de rampa de lançamento do protocolo de geminação recentemente assinado entre Fafe e a cidade francesa de Sens, através de uma reunião de trabalho, intermediada pelo então cônsul Luis Ferraz, que se realizou nesse dia entre o presidente da Câmara Municipal de Fafe, José Ribeiro, e uma delegação de Sens representada pela adjunta do “maire”, Marie-Paule Chappuit e a conselheira municipal portuguesa Manuela Godinho. Além do fortalecimento dos laços fraternos com a comunidade emigrante, a apresentação da obra promoveu uma prova de vinhos verdes “Vinhos Norte”, uma relevante actividade económica local.

VII

É evidente que o sucesso é só seu e de mais ninguém. Mas isso não implica que não considere que na nossa terra haja historiadores com todo o Mérito. Quer citar os que para si são os mais consagrados?

Reitero sinceramente que o sucesso deve-se essencialmente a todos os homens e mulheres que lutaram pela liberdade, desenvolvimento e afirmação de Fafe, insignes personagens que construíram o concelho com a argamassa da nossa memória e história colectiva. Felizmente, o nosso concelho desde há algum tempo que possui um conjunto de homens devotados ao estudo da história local, que entre uma desprendida dedicação têm estudado e valorizado o nosso passado.

No campo da investigação da história de Fafe impõem-se pela pesquisa e trabalho publicado um grupo primário de personalidades como Américo Lopes Oliveira, Miquelina Summavielle, e o cónego Leite de Araújo, já falecidos, e presentemente um conjunto de investigadores composto por Aureliano Barata, Artur Leite, Luís Gonzaga, José Emídio Lopes, o saudoso Miguel Monteiro e Artur Coimbra, estes dois últimos, referências estruturantes no campo da história local, com que tive e tenho o privilégio de aprender e aperfeiçoar os meus trabalhos que procuram igualmente contribuir para a compreensão da história de Fafe.

 
VIII

O Senhor Dr. pertence ao Núcleo de Artes e Letras de Fafe a que preside o Dr. Artur Ferreira Coimbra e uma das actividades relevantes do Núcleo foi o curso sobre de História Local (O Concelho de Fafe durante a Primeira República). Qual é o seu juízo final sobre essa iniciativa?

Enquanto espaço que visa a promoção da arte, da literatura, da cultura e dos valores locais, através da edição de obras literárias e de revistas, exposições, colóquios, seminários, visitas de estudo e outras actividades culturais que enriquecem a cidade, é para mim uma honra e prazer pertencer ao NALF superiormente presidido pelo confrade Artur Coimbra. Uma das actividades mais relevantes do Núcleo foi sem dúvida o Curso Livre de História Local, sob o tema “O concelho de Fafe durante a Primeira República (1910-1926)”, que decorreu em Outubro e Novembro de 2010 com apreciável adesão e teve como propósito proporcionar ao público em geral um melhor conhecimento sobre um período histórico fundamental no desenvolvimento do concelho de Fafe.

A importância da iniciativa ficou patente no livro recentemente editado pelo NALF, “A Primeira República em Fafe – Elementos para a sua história”, que tem como ponto de partida a matéria apresentada naquele curso pelos investigadores Artur Coimbra, Artur Leite e eu próprio, co-autores da obra, que a historiadora Maria Alice Samara classifica como “importante não só para a história local mas para a história nacional”.

IX

No seu entender, caro Amigo, deve-se ficar por aqui ou é adepto de novos Cursos de outros ciclos históricos, como do Estado Novo e da Era Democrática, originária do 25 de Abril de 1974?

Certamente que a iniciativa irá ter seguimento, abordando outros aspectos e dimensões da história de Fafe. Naturalmente está dependente da disponibilidade dos colaboradores do NALF, que contribuem dedicadamente com o seu tempo e a sua investigação, muitas das vezes em detrimento das suas famílias.

X

O Senhor Dr. Foi o historiador escolhido para fazer a História dos 150 anos da Santa Casa da Misericórdia de Fafe e publicou o respetivo livro de sua autoria apresentado na Gala de Encerramento das Comemorações a 25 de Maio, no Teatro-Cinema, com a presença de ilustres figuras. Considera Senhor Dr. Que esta foi a sua melhor obra? E o que significa ela para si?

A génese do livro da Santa Casa da Misericórdia de Fafe surgiu de um convite – desafio lançado em meados de 2011, pela provedora Maria das Dores Ribeiro João, a quem me unem laços recíprocos de amizade e consideração, que conjugados com o facto de se tratar de uma instituição de referência na região me levaram a aceitar a “empreitada” que realizei a título gracioso. Por ser uma obra monográfica completa, consistente, escorada em exaustivas pesquisa em arquivos, bibliotecas, jornais e bibliografia diversa, será seguramente das minhas melhores obras.

Este livro é também um justo reconhecimento histórico a todos os homens e mulheres que com dedicação, generosidade e sacrifício expressaram o sentido do humano no concelho de Fafe. Desempenhando um papel social relevante no concelho e na região, a instituição sempre foi um pólo aglutinador de vontades, com uma capacidade única na conjugação de esforços para a promoção da solidariedade, daí o brilhantismo e singularidade das Comemorações dos 150 anos da Santa Casa da Misericórdia de Fafe (1862-2012) que mobilizaram a comunidade e contaram com a presença de figuras ilustres.

XI

Não era muito previsível que esse seu livro ultrapassasse as fronteiras de Portugal, mas a verdade é que foi divulgado no Rio de Janeiro recentemente, junto da Comunidade Portuguesa. Quer reviver esse momento histórico e o que mais o sensibilizou?

Enquanto obra paradigmática dos brasileiros de torna – viagem em Fafe, a Misericórdia de Fafe está indelevelmente ligada à benemerência brasileira, tanto que o Hospital de S. José é uma réplica arquitectónica do Hospital da Beneficência Portuguesa no Rio de Janeiro. Nesse sentido, e no ano em que se assinala o Ano de Portugal no Brasil,  iniciativa que visa promover a cultura e os vínculos entre as sociedades luso-brasileiras, a Fundação Casa de Rui Barbosa, uma instituição pública federal, vinculada ao Ministério da Cultura Brasileiro, destinada ao fomento da produção intelectual, consulta bibliográfica e preservação memorial, antiga moradia do comendador Albino de Oliveira Guimarães, uma personagem influente na Comunidade Portuguesa oitocentista do Rio de Janeiro e um construtor da modernidade na cidade de Fafe, convidou-me em meados do Verão passado a apresentar no Rio de Janeiro o livro da Misericórdia de Fafe.

A apresentação decorreu no dia 6 de Novembro, no decurso de um seminário em que participei como palestrante, e que abordou a presença portuguesa nos acervos da Casa de Rui Barbosa, e a actuação das associações beneficentes Brasil – Portugal. Foi um momento único e cimeiro na minha vida, pelo contacto e carinho caloroso como fui recebido pelas instituições brasileiras, por elementos da comunidade emigrante fafense que fizeram questão de estar presentes na sessão, e pela rede de contactos que foram estabelecidos, nomeadamente com investigadores brasileiros que se dedicam ao estudo da Migração e dos Hospitais da Beneficência Portuguesa.

Uma vez mais, além de estreitar vínculos com a comunidade emigrante, a sessão motivou uma prova de vinhos verdes promovida pela empresa de Fafe “Vinhos Norte”, uma das mais relevantes actividades económicas do concelho, numa altura em que o Brasil é o quarto consumidor internacional de vinho português, e importou no ano passado mais de um milhão de garrafas.

XII

E depois do seu regresso do Brasil, voltou a Paris junto da Comunidade Emigrante no Consulado Geral, onde teve grande sucesso. Quer contar-nos o que se passou de mais positivo?

Uma vez mais o prestígio da comunidade emigrante portuguesa em geral, e a fafense em particular, e o dinamismo do conselheiro das Comunidades Portuguesas, Parcídio Peixoto, concorreram para a apresentação de um livro de minha autoria no Consulado de Portugal em Paris. O convite foi-me endereçado pelas autoridades consulares quando as mesmas tiveram conhecimento que uma comitiva de Fafe, liderada pelo presidente da Câmara Municipal de Fafe estaria em Sens no fim-de-semana de 17-18 de Novembro para formalizar a geminação com a cidade francesa. Daí ter sido possível contar na sessão com a presença de três destacados representantes das forças vivas locais, o presidente José Ribeiro, a provedora Maria das Dores Ribeiro João, e o benemérito empresário fafense, radicado na capital francesa, Manuel Pinto Lopes, que nos concedeu a honra de apresentar a obra.

A apresentação do livro, que contou ainda com a presença do provedor da Misericórdia de Paris, Joaquim Silva Sousa, encheu novamente por completo a Sala Eça de Queirós. Além da divulgação da nossa história junto da comunidade emigrante, que continua a desempenhar um papel estruturante no desenvolvimento da nossa terra e do nosso país, no final da sessão decorreu uma prova de vinhos da Quinta de Naíde, cujos produtos vitivinícolas se assumiram como um importante cartão-de-visita do concelho de Fafe.

XIII

E a propósito, quer referenciar as Instituições e pessoas que mais o apoiaram no seu percurso, designadamente na publicação e propagação das suas obras?

O meu percurso literário não teria sido possível sem a colaboração de várias pessoas e instituições, desde logo, nas pessoas dos seus principais responsáveis, do Município de Fafe, da Santa Casa da Misericórdia de Fafe, da Editora Labirinto, dos Vinhos Norte, e do Núcleo de Artes e Letras de Fafe, importantes impulsionadores da actividade cultural no concelho.

Ao apoio imprescindível da família e amigos, tenho tido a felicidade de contar, fora do concelho, com a cooperação de prestigiadas personalidades e entidades, como do Consulado de Portugal em Paris, da Fundação Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro, e do conselheiro das Comunidades Portuguesas, Parcídio Peixoto, que têm tido um papel activo na promoção do meu percurso e das minhas obras. Reconhecimento e agradecimento que é extensível a todos quantos de forma desprendida me têm apoiado e motivado para o conhecimento da história local.

XIV

E o que é que o Senhor Dr. promete como Historiador a curto ou médio prazo?

Que continuarei igual a mim mesmo. Intelectualmente honesto, objectivo e dedicado à história local, comprometido com as gentes e terra de Fafe, acreditando que a cultura, história e tradição são referenciais essenciais para o presente, futuro e desenvolvimento sustentado da nossa sociedade. Tenho muito orgulho neste sentido de responsabilidade ética, afirmando publicamente que o meu trabalho desprendido de investigação é feito em prol da história de Fafe, em tempo de lazer ou férias, como as aulas de voluntariado que lecciono na Universidade Sénior de Rotary Fafe, ou as deslocações que realizei recentemente ao Rio de Janeiro e a Paris, em que os custos inerentes às mesmas, como em viagens anteriores, foram suportados a expensas próprias.   

Para os cépticos, que tenham porventura dificuldades em acreditar, disponibilizo-me pessoalmente para comprovar isto mesmo, o meu enriquecimento e valorização pessoal passam pelo conhecimento, pela cultura, e pelo prazer de ver as minhas obras divulgadas. Como o que tive no final do mês de Outubro, quando uma jovem mestranda de Ciência Politica e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa entrou em contacto comigo, solicitando o envio do meu livro, “Por dentro de uma Jota – Uma experiência de intervenção cívica e politica em Fafe”, que irá servir de base à sua dissertação “ As Juventudes Partidárias e o Recrutamento da Elite Politica no Portugal Democrático”.

XV

Quer deixar alguma mensagem ou agradecimento especial?

Aproveitava o ensejo para agradecer ao “Povo de Fafe”, na pessoa do seu director, Ribeiro Cardoso, a gentileza da entrevista e o papel importante que este semanário tem tido na afirmação do meu percurso pessoal e profissional. Uma palavra especial de agradecimento à Misericórdia de Fafe, na pessoa amiga da provedora Maria das Dores Ribeiro João, e do diligente funcionário, Paulo Gonçalves, pela colaboração incansável na promoção da história da instituição no concelho, e recentemente no Rio de Janeiro e Paris.

Um obrigado também muito especial à comunidade emigrante fafense, que no Brasil e em França, marcaram presença na apresentação do livro da Santa Casa da Misericórdia de Fafe, os meus agradecimentos particulares e sentidos aos amigos conterrâneos Gervásio Almeida, José Saldanha e Parcídio Peixoto pelos apoios e incentivos prestados. 

Com o aproximar de mais uma quadra natalícia, desejo a todos os fafenses um Feliz Natal e um Bom Ano Novo, no rumo da esperança e solidariedade.


 
  in CULTURAL, suplemento do jornal Povo de Fafe n.º 2184 de 30 de Novembro de 2012






 

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